terça-feira, 11 de setembro de 2018

Aplicação do princípio da norma mais favorável após a reforma trabalhista.

É inegável que a Reforma Trabalhista trouxe mudanças bastante expressivas e , também, grandes feridas, pensando-se na sistemática protetiva que lhe inerente, cujas cicatrizes marcarão, por longo tempo, esta atual trajetória de perversidades sobre a qual baila o Direito do Trabalho.
Dentre as mudanças, têm-se a possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado em relação a uma gama significativa de direitos – art. 611-A, da CLT; a limitação da Justiça do Trabalho frente ao conteúdo veiculado em instrumentos coletivos (de acordo com o art. 8º, §3º, da CLT, a Justiça do Trabalho poderá intervir para avaliar a validade do instrumento coletivo apenas quanto aos pressupostos jurídico-formais – art. 104, CC/02 -, conforme princípio da intervenção mínima no exercício da autonomia da vontade coletiva); possibilidade de conversão, por determinação do empregador, do regime de teletrabalho para presencial; possibilidade de autorizar sistema de compensação semestral de jornada em acordo individual escrito e possibilidade de fracionar as férias em até 03 períodos, mediante concordância do empregado.
São inúmeras as mudanças que merecem análise pontual e detida sob a perspectiva do princípio da proteção, já que se afirma que este, embora seja o valor central que orienta a elaboração, interpretação e aplicação da norma trabalhista, tenha sido ele próprio flexibilizado diante desta onda de mudanças e (re)(des)construções.
Nesta espiral de mudanças, o princípio da norma mais favorável, diretamente derivado do princípio da proteção, merece análise especial, pois foi afetado pela Reforma ao se lhe impor duas importantes – e questionáveis – exceções.
01) Hierarquia das normas trabalhistas e o princípio da norma mais favorável
Fugindo à tradição jurídica de solução de conflito de regras no espaço, o Direito do Trabalho rejeita a aplicação da teoria normativa kelseniana e pondera que, para que a proteção à parte hipossuficiente seja garantida, é necessária a adoção de uma outra estratégia que seja mais condizente com a essência valorativa que o circunda desde o seu surgimento até a contemporaneidade.
Assim, foi proposto o princípio da norma mais favorável segundo o qual, quando instrumentos vigorarem ao mesmo tempo e voltados à regulamentação do mesmo caso concreto, aplica-se aquele que for mais favorável ao trabalhador.
Surgiu, então, o seguinte questionamento: qual critério deverá ser considerado para analisar aquele instrumento jurídico que preponderará sobre o(s) outro(s)? Para solucionar a problemática, a doutrina trabalhista propôs 03 teorias:
– Teoria da Acumulação: as vantagens para o empregado, de cada instrumento conflitante, devem ser acumuladas a favor do trabalhador;
– Teoria do Conglobamento: aplica-se o instrumento que, no seu conjunto, for mais favorável ao trabalhador;
– Teoria do Conglobamento mitigado: aplica-se o conjunto de regras referentes a cada instituto que seja mais favorável ao trabalhador.
A doutrina majoritária adota, como regra, a Teoria do Conglobamento como sendo a que melhor traduz a aplicação do princípio, prevalecendo, portanto, na prática trabalhista.
Percebe-se que, de fato, o Direito do Trabalho, quanto à temática pertinente à solução de regras trabalhistas no espaço, possui regra própria, rejeitando a consideração acerca do nível hierárquico ocupado por cada uma e realizando o princípio da proteção traduzido em outro: norma mais favorável.
Mas, como dito anteriormente, o mundo justrabalhista se encontra em uma espiral de mudanças e em um mar de instabilidades acirradas por intensos processos de flexibilização e, em certa medida, de desregulamentação, tendo sido o princípio em análise afetado ao se lhe imporem duas importantes exceções. Estas serão apontadas no item a seguir.
02) A reforma trabalhista e as exceções à aplicação do princípio da norma mais favorável
Embora mantida a peculiaridade do Direito do Trabalho quanto ao conflito de regras trabalhistas no espaço, afirma-se que foi afetada pela Reforma Trabalhista, ou seja, foram inauguradas, com a promulgação da Lei 13.467/2017, duas exceções:
2.1. Conflito entre ACT e CCT:
De acordo com o art. 620, da CLT, pré-Reforma, caso ocorresse conflito entre Convenção Coletiva a Acordo Coletivo, aquela seria aplicada desde que mais favorável que este. Tal regra foi integralmente alterada e, de acordo com a nova redação, quando os instrumentos coletivos forem conflitantes, o acordo coletivo sempre prevalecerá.
Não foi feita qualquer ressalva no texto celetista no sentido de defender a prevalência do ACT sobre a CCT caso seja mais favorável. Assim, interpreta-se a nova regra de forma simples e direta: sendo ou não mais favorável ao trabalhador, o Acordo Coletivo, quando em conflito com a Convenção, SEMPRE prevalecerá.
Ao mesmo tempo que se defende a proximidade entre as partes para que negociem os interesses que lhe sejam pertinentes a determinada realidade via sindicatos, estes foram, repentinamente, submetidos a um processo de enfraquecimento e esvaziamento (ao menos a curto prazo), tornando-os fragilizados enquanto entidades defensoras de direitos individuais e coletivos das categorias. Lado outro, a possibilidade de o Acordo Coletivo prevalecer traz à tona uma mais adequada forma de aplicação e adaptação do Direito do Trabalho. A compatibilização do negociado à realidade de cada estrutura econômica e profissional pode garantir mais eficácia prática do Direito do Trabalho.
B) Empregado hiperssuficiente e o contrato individual de trabalho:
Em meio a tantas mudanças, merece destaque o art. 444, parágrafo único, da CLT, que assim determina:
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Pela leitura e interpretação do dispositivo, é possível afirmar que foi criada a figura do empregado hiperssuficiente, sobre o qual recaem diversas controvérsias acerca da sua condição de vantagem presumida dentro da dicotomia capital x trabalho.
Os critérios, conforme redação da regra supracitada, são:
– empregado ser portador de diploma de nível superior;
– receber salário mensal (valor fixo + comissões + gratificações legais) igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Uma vez presentes estes critérios cumulativamente, o empregado poderá negociar cláusulas no seu contrato individual que, se relacionadas aos direitos constantes no rol do art. 611-A, da CLT, prevalecerão sobre aqueles que tenham sido estipulados em negociação coletiva.
Assim, para o hiperssuficiente, tem-se a segunda exceção do princípio da norma mais favorável: quando conflitantes o contrato individual e o instrumento coletivo (ACT ou CCT), o contrato individual prevalecerá, mesmo não sendo ele mais favorável ao trabalhador.
Considerações finais
Pelo que foi aqui exposto, e já considerando o conjunto de outras tantas mudanças provenientes da promulgação da Lei 13.467/2017, afirma-se que o Direito do Trabalho foi afetado não apenas quanto ao conjunto normativo positivado, mas à sua carga principiológica e valorativa que traz, em si, todo o histórico de lutas a partir das quais foi arduamente edificado.
Se foi/é um retrocesso ou não; se foram/são mudanças necessárias, só o tempo irá dizer. Mas é certo que os desafios, no sentido de contribuir para a construção e eficácia do Direito do Trabalho em sua plenitude, são inúmeros. Por mais que se proponha pensar o Direito do Trabalho a partir do que se chama de “as duas faces da moeda” na relação capital x trabalho e compreender a necessidade da mudança, não se pode perder de vista que, destas duas faces, uma deve ser melhor delineada que outra; de uma relação cujo desequilíbrio lhe é inerente, sopesar aquela que mais carece de proteção é uma necessidade.
Espera-se consciência e sensatez dos Tribunais; espera-se reestruturação do pensamento constitucional para que, fiel à realização da dignidade da pessoa humana como primado do Estado Democrático de Direito, o trabalho e aquele que o executa possam ser verdadeiramente protegidos. Proteger o trabalho e proteger o próprio capital, pois aquele é o instrumento que garante a sobrevivência deste.
Por Lilian Katiusca, graduada em Direito pela PUC-Minas e em Letras pela UFMG. Mestre em Direito Material e Processual do Trabalho pela UFMG. Professora dos programas de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Unihorizontes; professora do programa de pós-graduação da UNIGRAD (BA); Professora do Curso Ênfase. Professora da EBRADI. Advogada.
Fonte: News Granadeiro e Guimarães, 11/09/2018

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