eSocial: a CLT digital
O Decreto-Lei n°
5.452/1943, mais conhecido pelos brasileiros como CLT, ou Consolidação das Leis
do Trabalho, entrou em vigor no primeiro governo de Getulio Vargas. Nascida em
meio a polêmicas quanto à sua natureza: seria uma consolidação ou um código, por
também instituir novas leis novas? Hoje, há um certo consenso sobre a sua
importância no processo de transição do Brasil agrário para o industrial.
Surge
agora um novo projeto, o eSocial, também polêmico e controverso, mas que
promete causar grandes transformações nas relações entre patrões, empregados e
governo. Ao contrário da CLT, o eSocial não criará novas leis. Seu objetivo é
consolidá-las digitalmente por meio de um sistema informatizado. Ele também não
será o agente de mudanças que suportará a transição do Brasil industrial para a
sociedade do conhecimento.
Na
prática, a sistemática é um grande “meio” de abastecer eletronicamente os
órgãos da administração pública com dados (mensagem) dos trabalhadores, com ou
sem vínculo empregatício, bem como os eventos ocorridos com eles.
Admissões,
exames médicos, alterações contratuais, pagamentos, férias, rescisões são
apenas alguns exemplos dos mais de 40 tipos de eventos que serão registrados
por este complexo sistema, que poderá ser acessado por Receita Federal,
Ministério do Trabalho, Caixa Econômica Federal, INSS, Ministério da
Previdência. Os trabalhadores também poderão consultar o histórico de sua vida
digital. E, no futuro, até mesmo a Justiça do Trabalho utilizará tais registros
em seus processos.
O
eSocial é o maior projeto vinculado ao Sistema Público de Escrituração Digital
(SPED), pois abrange cerca de 12 milhões de empregadores, 37 milhões de empregados
com carteira assinada, 7 milhões de funcionários públicos, 6,5 milhões de
empregados domésticos e 19 milhões de autônomos, dentre outros.
Também
é o mais polêmico e criticado dos sistemas do SPED. Possivelmente fui um dos
maiores críticos públicos do eSocial. Dos 18 artigos que publiquei sobre o
tema, 12 apontaram problemas com o projeto.
Os
principais alvos, segundo minha percepção, estavam relacionados ao cronograma
de obrigatoriedade, à normatização, à documentação técnica, à complexidade da legislação
trabalhista, ao uso indevido de informações privilegiadas por parte de algumas
empresas que participaram do grupo-piloto e à pouca representatividade que este
ajuntamento mostrava mediante à realidade brasileira.
Coincidência
ou não, desde o início deste ano, quando houve uma mudança na chefia da Divisão
de Escrituração Digital (DIDIG/COFIS) da Receita Federal, muitos desses
problemas começaram a ser equacionados.
Primeiramente,
ocorreu um maior diálogo das autoridades com a sociedade. Hoje há uma
participação mais ativa das diversas entidades setoriais, como: CNT, CFC, CNI,
CNC, CNA, CNS, CNF, CNTOR, Consif, Confen, CNCOOP, Firjan, Fiesc, Fiesp, Fiemg,
Sescon-SP e Fenacon.
A
importância desse maior envolvimento é crítica para o sucesso do eSocial. No
começo do ano, conduzi uma pesquisa de opinião com profissionais contábeis, a
qual detectou que a imagem das empresas que participaram do projeto-piloto não
era positiva: 86,3% afirmaram que elas representam muito pouco ou nada às suas
congêneres, enquanto 72% pensavam que elas não ajudavam em nada ou muito pouco
a melhorar o eSocial. Quase a metade declarou ainda que elas não ajudavam em
nada na divulgação do projeto.
A
pesquisa ainda apontou que apenas 31,3% percebiam a utilização ética das
informações obtidas pelas empresas-piloto, respeitando as demais. De fato, as
constantes reclamações sobre a pouca transparência no controle do acesso às
informações técnicas preliminares do projeto levaram a Receita Federal a se
comprometer no aperfeiçoamento desses processos, bem como na análise do caso,
por parte da Ouvidoria-Geral da União.
O
eSocial vem sendo planejado desde 2010. No entanto, dezenas de cronogramas
foram divulgados pela Receita Federal, Caixa Econômica e Ministério do
Trabalho. Muitos deles, contraditórios entre si e curtos demais para a
adaptação da sociedade. Mas, recentemente, o comitê gestor formalizou um prazo
viável para que os empregadores se habituem a essa nova realidade. Um ano após
a conclusão e divulgação da documentação técnica, as grandes e médias empresas
– com faturamento anual superior a R$ 3,6 milhões – serão obrigadas a
transmitir os eventos do eSocial.
O
novo prazo é suficiente para que todos se adaptem. Claro, que no Brasil, muitos
postergarão as mudanças necessárias, deixando-as para “última hora” e irão
“chorar" por mais um adiamento. Enfim, os problemas estruturais do projeto
estão sendo equacionados, exceto um: a complexidade da legislação trabalhista.
Contudo, essa discussão deve ocorrer em outro âmbito: o congresso nacional.
Portanto,
é fundamental, em um ano eleitoral, que as instituições promovam debates sobre
o tema. Conselhos regionais de administração e de contabilidade, OAB,
instituições de ensino superior, Sebrae, associações comerciais, câmaras de
dirigentes lojistas, federações do comércio e indústria e sindicatos e
organizações que defendem as pequenas empresas, precisam liderar essa discussão
em cada município do país.
Porém,
sem a mobilização da sociedade, certamente os interessados na manutenção desse
manicômio trabalhista farão de tudo para perpetuá-lo. Afinal, a quem interessa
os mais de 2 milhões de novos processos anualmente criados na Justiça do
Trabalho? E como ficará a nossa gigantesca burocracia, que extermina o
empreendedorismo e encarece os produtos, reduz o crescimento e acaba com a
nossa competitividade global?
Fonte: Administradores.com,
por Roberto Duarte, 31.08.2014
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